Av. Campinas, 693 - Vila São Luiz - Limeira - SP   |   19 3453-1566   |     

Liberdade de escolha do regime de bens por maiores de 70 anos

Por muito tempo, o artigo 1.641, inciso II, do Código Civil foi interpretado como uma norma de aplicação obrigatória e absoluta, determinando que pessoas com mais de 70 anos estariam, necessariamente, sujeitas ao regime da separação legal de bens ao se casarem.

A justificativa para essa previsão estava ligada a uma pretensa proteção da pessoa idosa, com o objetivo de evitar casamentos motivados por interesse financeiro e preservar o patrimônio previamente constituído.

Contudo, essa interpretação tradicional passou por uma significativa transformação em razão do julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.309.642, realizado em outubro de 2023 pelo Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.236).

A Corte entendeu que a imposição legal do regime de separação de bens às pessoas maiores de 70 anos viola princípios constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a autonomia da vontade, a liberdade pessoal e a igualdade entre os cidadãos, independentemente da idade.

Com base nesses fundamentos, firmou-se o entendimento de que a norma do artigo 1.641, inciso II, não possui caráter absoluto e pode ser afastada mediante a manifestação livre e consciente das partes por meio de pacto antenupcial, no caso de casamento, ou por escritura pública de contrato de convivência, nos casos de união estável.

A tese fixada pelo STF foi clara ao afirmar que “nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes mediante pacto antenupcial.”

A partir de então, tornou-se plenamente possível aos maiores de 70 anos escolherem o regime patrimonial que melhor atenda aos seus interesses e expectativas de vida em comum, incluindo comunhão parcial, comunhão universal, separação convencional ou participação final nos aquestos, desde que a opção seja formalizada por escritura pública lavrada em cartório de notas antes da celebração do casamento.

Esse entendimento marca um avanço significativo na consolidação dos direitos das pessoas idosas, ao reconhecer que a idade, por si só, não deve ser considerada um fator de restrição à liberdade de contratar, especialmente em se tratando de relações familiares pautadas pelo afeto e pelo planejamento legítimo de vida.

A partir do novo posicionamento do STF, o pacto antenupcial passa a ser valorizado como verdadeiro instrumento de autonomia, conferindo segurança jurídica à escolha dos nubentes quanto ao regime patrimonial que regerá a vida conjugal.

Para que o pacto antenupcial produza os efeitos desejados, ele deve ser formalizado por escritura pública antes da celebração do casamento. Após a lavratura, é necessário que o documento seja devidamente anotado no Registro Civil e, havendo bens imóveis, registrado também no Cartório de Registro de Imóveis competente. Trata-se de um contrato solene que permite aos nubentes definir, com clareza e previsibilidade, as regras patrimoniais que desejam adotar, conferindo transparência à relação e evitando conflitos futuros.

Esse novo paradigma jurídico não apenas reforça a autonomia privada dos indivíduos, mas também corrige uma distorção que, sob o pretexto de proteger, acabava por restringir indevidamente os direitos das pessoas maiores de 70 anos.

O reconhecimento da capacidade plena dessas pessoas para decidirem sobre sua vida patrimonial conjugal é uma vitória da liberdade civil, da igualdade etária e do respeito à dignidade humana.

A atuação do advogado, nesse contexto, revela-se essencial para orientar de forma precisa e preventiva a formalização desses instrumentos, assegurando sua validade e eficácia, e contribuindo para a realização de escolhas conscientes e juridicamente seguras.

Dra. Fernanda de Moraes - OAB/SP 461.948

Todos os direitos reservados
© Copyright 2025 | Percebon & Bosco - Advogados Associados